Combatendo a cultura do estupro


A edição da Revista Superinteressante desse mês estampa em sua capa um dos crimes mais enraizados em nossa cultura, o estupro.

Tal crime é definido como a “conjunção carnal” (penetração da vagina pelo pênis) não-consentida, ou seja, só pode ter uma mulher como vítima, e um homem como agente criminoso.
Nota do autor: Como bem observou o camarada Leonardo Moraes Parellada nos comentários deste post, com a nova redação do Art. 213 do Código Penal dada pela Lei nº 12.015 de 2009, o crime de estupro passou a compreender, além da “conjunção carnal”, a prática de outros “atos libidinosos”, abrangendo o crime de “Atentado violento ao pudor” existente até então, mas ainda assim a imensa maioria das vítimas continuam sendo mulheres.

Não por acaso, sua prática ocorre diariamente à luz de uma sociedade arraigada de valores nocivos que imperam no senso comum, dentre eles, a revoltante ideia de que as vítimas eventualmente “fizeram por merecer”.

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Poucas coisas fazem menos sentido lógico que este pensamento, conhecido como “slut shaming”.

Ora, ainda que adotando uma visão de mundo extremamente egoísta, não vejo nenhum sentido em homens heterossexuais condenando o livre exercício da sexualidade feminina – a não ser que eles prefiram transar com as próprias mãos, solitários.

Particularmente, não vejo nada mais excitante do que uma mulher liberta, independente e empoderada. Um homem só tem motivos para temer uma mulher sexualmente experiente se ele mesmo não dá conta do recado e teme o assédio da concorrência.

Só que, infelizmente, até mesmo as próprias mulheres absorveram o machismo imposto culturalmente ao longo da história da civilização, e tratam de também oprimir, elas mesmas, as suas iguais.

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Sabemos que essa ideia imbecil de pudor seletivo tem origem nos costumes arcaicos de nossa sociedade patriarcal, com correspondência irracional em princípios supostamente observados na biologia evolutiva: os machos devem “semear o planeta”, com o máximo de parceiras possíveis, enquanto as fêmeas devem escolher um único reprodutor/provedor para lhes fecundarem. Até os termos são escrotos.

Adotar isso como regra social é tão rudimentar quanto recusar tratamentos médicos, evitar métodos contraceptivos ou condenar a homossexualidade (sob o pretexto de serem práticas supostamente “anti-naturais”).

Em 2015 essa conversa não cola mais.

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Ao longo das últimas décadas, as mulheres conquistaram muito do espaço que lhes foi tomado – ao longo dos milênios. Mas ainda tem muita coisa pendente.

Os valores machistas, como eu disse, estão lá dentro, encrustados na nossa sociedade, e infelizmente não podem ser extirpados a não ser através de uma lenta e gradual mudança de cultura. A mais urgente delas talvez seja a questão do estupro – uma violência das mais cruéis e terríveis, praticada a todo momento, em todo o mundo.

Além da reportagem, a Super publicou em suas redes sociais, alguns quadros para ilustrar o absurdo que é a forma como julgamos a postura e o caráter de uma mulher, por exemplo, pela forma como ela se apresenta em público:

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Só que se algo que deveria ser tão simples (o respeito à liberdade sexual feminina) já enfrenta resistência, imagine a confusão quando tratamos dos “pormenores práticos” eventualmente relacionados às circunstâncias de um estupro.

A todo momento inverte-se a culpa da violência sexual através de argumentos como “Ela estava pedindo por isso, com essa roupa curta” ou “Ninguém mandou andar sozinha na rua à noite” ou ainda “Tem mulher que gosta”.

A deturpação do que deveria ser um expresso consentimento, ainda é um dos principais expedientes empregados por agressores para se safar das acusações.

Ainda mais se considerarmos que, nos Estados Unidos, 47% dos estupradores são amigos ou conhecidos das vítimas (e aqui no Brasil não é muito diferente), torna-se urgente e primordial elucidarmos a questão da forma mais didática possível.

Pensando nisso, a quadrinista Alli Kirkham publicou no site Everyday Feminism algumas tirinhas com situações corriqueiras do cotidiano que servem como parâmetros para ilustrar os equívocos mais comuns na percepção de abusos sexuais.

Confira abaixo:

1. “Você tem que ficar até o fim…”

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2. “Você disse que eu podia fazer isso…”

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3. “Você disse que gostava…”

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4. “Você disse que queria…”

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5. “Você é minha esposa e esse é o seu dever…”

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6. “Você me deve isso…”

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7. “Você pediu por isso…”

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Infelizmente, a melhor providência que uma mulher pode tomar para evitar ser estuprada ainda é conseguir fazer com que os homens aprendam que não se deve estuprar…

dontRape

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