Discutindo a questão do aborto


Quando estava na faculdade, escrevi um artigo em Teoria do Estado defendendo as liberdades individuais – tudo plágio da obra de John Stuart Mill – em que destrinchava argumentos contra o avanço do poder estatal sobre a vida e a individualidade individual dos indivíduos e defendia o gozo de liberdades e direitos como a eutanásia, a união civil entre homossexuais, a legalização e regulamentação da prostituição não-infantil e o uso de quaisquer substâncias entorpecentes sob orientação médica.

Eu não sou doente terminal, nem gay, nem camelô, nem cafetão, nem fumo pedra. Só acho que todos dessa lista devem ter tantos direitos quanto eu. Direitos e deveres – uma vez que o reggae nacional é uma infeliz realidade, quero ver maconheiro pagando imposto.

Meu calcanhar de Aquiles sempre foi a questão do direito ao aborto. Enquanto me parecia claro que em outros temas polêmicos era fácil identificar a esfera individual para estabelecer os limites à permissividade, no caso do aborto a dúvida era justamente se a esfera é individual ou se o abortado possui direitos autônomos. Uma conversa que vai longe em qualquer boteco.

Minha formação católico-kardecista sempre me fez crer que o feto era um indivíduo em seu primeiro estágio de existência, e não somente um potencial de probabilidades calculáveis, devendo ter a vida preservada mesmo em casos de estupro, maternidade prematura, ou qualquer outra hipótese que não comprometesse direta e imediatamente a vida da mãe. E é nisso que acredito, particularmente, até hoje. Por outro lado, pertenço ao grupo com menos propriedade para falar sobre o assunto (e que ironicamente domina os escalões decisórios da política mundial): o dos homens.

Depois de algum tempo, refleti ainda mais e mudei a minha opinião. Hoje eu defendo todas as liberdades individuais citadas lá em cima, e também acredito que o aborto deve ser totalmente regulamentado, inclinando todos os empenhos da administração pública para evitar que atos sejam praticados com torpeza, mas definindo para sempre o fim das clínicas clandestinas e a soberania da mulher sobre o seu corpo.