Clarice e seu supermercado que me desculpem, mas tomei o slogan arraigado em minhas entranhas depois de insistentes inserções na TV e YouTube para responder à altura da reflexão provocada.
Desde cedo, sempre fui provocado por obras que me davam ordens claras: seja feliz, aproveite a vida, aprecie cada minuto, viva o presente, carpe diem. Apesar de ser apenas um rapaz latino com pouca grana, havia herdado da família e escola católica uma série de valores conservadores. Fiz opção por uma carreira tradicional (Direito) numa instituição federal e passei no primeiro concurso que fiz, atrás de estabilidade. Sem falar no namoro de muitos anos. Se você lesse um formulário com estas informações sem me conhecer certamente chegaria a pensar que eu sou um cara quadrado.
Paralelamente à minha identidade institucional oficial, eu criava meus primeiros sites e levava uma vida boêmia – inclusive meu primeiro empreendimento virtual de "sucesso" foi um site de coberturas de eventos que me permitia sair de segunda a segunda pela desvairada noite capixaba. Quando vieram os primeiros perrengues e processos oriundos dessa atividade informal, a estrutura da minha vida oficial dava conta de tudo.
E todas as experiências que vivi desde sempre me diziam que nunca teria valido à pena investir em planos para o futuro se eu não estivesse aproveitando todo o potencial da minha existência no presente. Não falo só das baladas (ou do hábito de fumar que certamente me matará em breve), mas de assumir uma postura disposta a explorar o maior número de possibilidades ofertadas pelo universo.
Como tudo tem seu preço, gastei todo dinheiro que sempre ganhei, em grande parte, promovendo entretenimento para mim e os que me cercam, e cheguei a sentir certo peso na consciência por esse lifestyle hedonista paralelo.
Foi aí que me vi obrigado a sair de cima do muro e escolher um lado.
O estalo veio de um momento em particular, quando um amigo numa mesa de bar me perguntou o que eu faria da vida caso ganhasse na loteria e não precisasse me preocupar com dinheiro. Listei mentalmente vários objetivos e não demorei a perceber que boa parte deles não demandava milhões na conta bancária. Era só questão de correr atrás.
E desde então não faço outra coisa.
Hoje vivo em São Paulo, com um pé fixo no Rio, usufruindo o que as metrópoles têm a oferecer no cotidiano cosmopolita sem muito requinte (mas cheia de oba-oba) que o ingrato ofício blogueiro pode proporcionar. Liberal profissional, curtir o que tem pra hoje é o que posso fazer para honrar esta dádiva que me foi umbilicada.
E num desses acasos primorosos do destino, recebi o convite de um amigo blogueiro que compartilhava um sonho específico: voar.
Dos três sonhos que costumavam se repetir nas minhas noites de sono juvenis, voar, dirigir e transar, faltava apenas o primeiro ser cumprido como uma profecia mágica. Eu sou desses hippies que ficam emocionados quando voam de avião (mas já desisti de tentar puxar uma salva de palmas após a aterrissagem), e tinha um salto de bungee jump como uma das melhores experiências do currículo. Saltar de paraquedas seria um checkpoint de ouro nessa minha tentativa de não ser leviano com a vida.
Entendo o medo da maioria, e os riscos da aventura, mas não posso compactuar com tal covardia. Viver implica em tantos riscos que despencar das alturas nem chega a ser tão irresponsável. Fiquei ansioso, mas finalmente chegou o dia.
Quem estava por trás do convite era a escola de paraquedismo Sky Company, única no Brasil reconhecida nacional e internacionalmente desde 1996, sediada no Centro Nacional de Paraquedismo (CNP) na cidade de Boituva, a 116 km da capital de São Paulo, com atividades regulares todos os dias. Por mais que eu seja simpatizante de esportes radicais, o valor do meu seguro de vida é modesto e faço questão de contar com o máximo de segurança e confiabilidade.
Confirmada a previsão de sol na última sexta-feira, peguei a estrada com o Adan e em pouco tempo de estrada excelente em linha reta chegamos a Boituva, com a escola bem próxima da rodovia Castelo Branco. Disfarçando a ansiedade pra não dar bandeira do cabaço, chegamos na recepção, onde um grupo se preparava para saltar no próximo voo.
Preenchemos um formulário com dados pessoais (aquele que outrora faria você achar que sou careta e atualmente ostenta "blogueiro" como profissão) e vestimos o inglório macacão azul e laranja que me realçou as muitas gorduras em excesso.
Quando o primeiro grupo retornou – são e salvo – a ansiedade deu lugar à excitação e as cenas que se seguiram podem ser conferidas no filme produzido pela Sky Company para registrar o salto para sempre na vida dos novatos (no meu caso com direção do genial instrutor Migalha):
Destaque para os melhores momentos do vídeo:
0:51 – Migalha mostra que, assim como guias turísticos e professores de cursinho, instrutores de paraquedas também cursam a disciplina de stand-up comedy.
1:20 – Como sempre, sou um aluno aplicado.
2:30 – Segue quase um minuto de decolagem, avance se for apressado.
3: 20 – "Maravilha! Maravilha!" (tradução: "por favor pare de falar e me deixe fazer minha última oração para Jah e Ogum")
4:00 – Diferentemente do bungee jump e do salto individual, onde a iniciativa de despencar rumo ao desconhecido é toda a cargo do seu próprio sistema nervoso central, no salto duplo é só relaxar e gozar como uma passivona que o cara te encoxando por trás faz todo o serviço suicida.
4:08 – Não sabia que eu tinha cabelos (e barba e bigode) lisos…
4:20 – Não adiantou tentar disfarçar, o instrutor descobriu meu segredo.
4:30 – Aprenda com o meu erro: abrir a boca durante a queda é uma má ideia.
4:38 – O instrutor checa o relógio para ver se já são 4h20.
4:44 – Ajeitar os óculos na hora exata em que o instrutor vai acionar o paraquedas também não é muito inteligente.
5:01 – Preciso renovar meu vocabulário de palavrões para o próximo salto.
5:20 – Assim como na política brasileira, Migalha tem sérias dificuldades para diferenciar a direita da esquerda (e vice-versa).
6:20 – Depois da descarga de adrenalina só me restou tentar puxar o saco da empresa em terra pra tentar cavar outro salto na faixa…
E o DVD fornecido após o salto também contempla algumas fotinhos para o álbum "Momentos" do Fêice, estou em dúvida entre essas pra colocar no avatar:
De volta à realidade a impressão é que o chão se tornou deveras entediante. Bate aquela tristeza típica de uma ressaca, um fim de um feriado prolongado, férias ou uma viagem especial, que eu costumo chamar de "Síndrome da Quarta-feira de Cinzas".
É impossível não se sentir transformado – e não querer saltar de novo, o quanto antes.
Agradeci ao parceiro Migalha pela performance na experiência mais homossexual de minha vida e aproveito para deixar aqui registrado também meus agradecimentos à impecável, eficiente e acolhedora equipe da Sky Company que fez um excelente trabalho o tempo todo, como naqueles filmes em que tudo é tão perfeito que você fica até desconfiado.
Tomei duas decisões imediatamente após a aterrissagem: fazer o curso de paraquedismo para saltar sozinho (desculpa, Migalha, é mais forte que eu) e repetir a experiência com frequência ao longo da vida. Afinal, já dizia o filósofo, um momento feliz é aquele que a gente deseja que dure para sempre – ou tenta repetir quantas vezes for possível.
E na minha modesta opinião isso é mais efetivo pra ser feliz do que consumir no estabelecimento mais conveniente – e mais caro – do bairro.
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Veja também como foi o salto do Adan no blog Os Profanos!