Se você torceu o nariz só pela aparente blasfêmia do título, provavelmente não vai gostar de nada no post mesmo. Mas temos a consciência tranquila de já termos levantado a bandeira do rock and roll algumas vezes, por exemplo, denunciando esse tipo de profanação.
Desde cedo descobri que gostava de música ruim, e ainda mais de música boa. Mais tarde descobri a palavra eclético, mas sempre fazia a ressalva: “menos forró e sertanejo“.
Dentre o que poderia ser considerado “sub-música”, geralmente pelo apelo popular, tolerava (e até curtia, na medida do possível) funk e pagode, afinal nasci no Rio e fui criado no Espírito Santo, uma espécie de filial cultural carioca. Já o axé, ou como eu conhecia na época, “música baiana” não chegava a incomodar, até porque era sempre animado e tinha dançarinas de shortinho. O brega pra mim era o mesmo que sertanejo (sem as vacas, mas ainda com os chifres) e o arrocha… bem, ainda não existia, ou não tinha chegado até mim, assim como o indie rock. Perigava eu gostar também.
Faço amizade fácil.
Meu problema era com o forró e o sertanejo mesmo, mais distantes do universo urbanóide com o qual me identifico mais. Fui “ensinado” pelas sutilezas do meio social, a achar engraçado, porém artisticamente inferior, manifestações que vinham do interior. O raciocínio era claro: se esse povo vive isolado do mundo, o que vai saber de música?
Mais tarde vim a conhecer melhor as duas culturas devido a um relacionamento. Aprendi a dançar forró e até cantei de olho fechado no show de algum sertanejo. Bêbado, é claro, mas podem crer que a evolução da tolerância deu-se aos saltos.
De fato, antes mesmo que eu me apegasse aos dois gêneros musicais vieram as versões “universitárias” e eu desisti. Contudo, sou obrigado a respeitar até mesmo os embustes criados exclusivamente pra vender músicas comerciais. Por um único motivo: música vai muito além de qualidade, complexidade, sofisticação ou qualquer outra métrica.
Música tem a ver com contexto – que o diga uma playlist mal formulada na hora do sexo.
Por isso, considero que o funk talvez não seja tão distante do rock quanto se pensa.
A maior parte das críticas tem mais a ver com estranheza e preconceito do que com apreciação musical propriamente dita. Quando não reclamam do ritmo – a batida eletrônica, tão popular em outras aplicações – saem-se com um “o único problema são as letras de baixo calão”. Como se sexo, putaria e sacanagem não fossem os temas centrais de 91,8% das obras da civilização.
É evidente que ninguém é obrigado a gostar de nenhum estilo, mas já parou pra pensar no quanto você pode estar sendo careta e compartilhando as mesmas convicções dos mais antigos ao criticar novos ritmos com tanta ferocidade?
Enquanto você pensa na resposta dessa a gente responde a pergunta do título: no rock tem guitarra.
Vídeos do Jesus Manero e Não Salvo.