Ah, o amor! L’amour! L’amour! A coisa mais grandiosa do universo inteiro. A causa e motivo da existência humana. O sentimento sublime, universal e insubstituível que remete à alma sua importância inexorável, e atesta, como prova absoluta e incontestável, a limitação da ciência frente ao desconhecido. O amor. Aquilo que te deixa com a boca seca e as pernas bambas. A gasolina dos poetas; o cianureto dos solitários. O amor. A desculpa que nós, seres racionais, necessitamos para justificar os nossos, nada racionais, instintos sexuais.
O ato sexual, “vias de fato” do amor não-platônico, é uma das maiores evidências de nosso antepassado selvagem/primitivo/animalesco. O sexo é um dos principais pontos em comum entre homens e animais, de várias espécies. Dizem que até mesmo os bichos-de-pé fazem. Todos fazem, e o fazem de maneira bem-parecida. Salvo pequenas e quase imperceptíveis diferenças, o sexo segue regras universais entre as espécies. As aranhas do tipo “viúva-negra”, que assassinam seus parceiros para devorá-los, encontram similares da espécie Homo sapiens sapiens; e as nossas viúvas, apesar de não serem canibais e não devorarem seus maridos, fazem algo semelhante com a herança e as pensões deixadas pelos falecidos. E se você pensa que o “69” é uma posição inventada pela libido humana, saiba que muito antes de Adão dar suas mordiscadas na maçã de Eva, as minhocas – hermafroditas – já estavam cansadas de fazer o “6969”.
O que ocorre na espécie humana, entretanto, é um fenômeno resultante das tendências tecnocratas do séc. XX e dos regimes comunistas com seus planificados sistemas econômicos. Instituiu-se na maioria das uniões civis estáveis o sexo burocrático. O homem/marido/reprodutor precisa comunicar à parceira de suas más intenções com três dias úteis de antecedência, através de comunicado oral, fax, correio eletrônico ou documento impresso com firma reconhecida e certificado “ISO 9002”. Em duas vias. Um memorando assinado pela mulher – e mais cinco testemunhas – confirma (ou não) a aceitação do pedido inicial, especificando data, circunstância e providências a serem tomadas (pelo macho, obviamente) assim como as – muitas – regras de comportamento que ele deve observar no ato mencionado.
Na hora marcada (com tolerância máxima de quinze minutos), as roupas vão sendo retiradas segundo uma seqüência ordenada e previamente planejada (pela mulher, obviamente). Aquecimento, alongamento e preliminares também obedecem ao regulamento. Chegada a hora “H”, as posições executadas fazem parte de um estudo norueguês da relação custo/benefício que investiga dois capítulos da obra “Kama Sutra”, 137ª edição, e somente podem ser utilizadas passando pelo crivo de um ortopedista, um endocrinólogo e uma autoridade religiosa, todos com no mínimo sete anos de experiência no mercado. O orgasmo, quando ocorre de fato e não faz parte de nenhuma encenação possivelmente aprendida em clássicos do cinema pornô-B, como “A ninfeta vai à fazenda”, é conseqüência da estratégia de objetivos preestabelecidos pelas partes envolvidas, e sua duração não deve ultrapassar o tempo previsto no cronograma.
Fato consumado, hora da ducha, do cigarrinho e do “Foi bom pra você?”. E numa próxima vez, que dependendo do caso será dali a alguns minutos, semanas ou encarnações, o casal volta a repetir minuciosamente as mesmas operações; na maioria dos relacionamentos, um procedimento equivalente ao “bater-ponto” dos funcionários de repartições públicas. Daí percebe-se porque um estudo da Faculdade de Ciências Sexuais de Sthrwardsbürg (derivado do anlgo-saxão-tribal-arcaico:sthrwards, que significa “quero ver você pronunciar isso”), na Islândia, divulgou em uma recente pesquisa que a posição mais praticada pelos casais de todo o mundo atualmente. é o “96”.
Texto originalmente escrito e publicado em meu livro de crônicas, no ano 2000, quando eu ainda estava no Segundo Grau e não sabia nada da vida.