Filosofando sobre educação, adolescentes e sociedade


Ontem fizemos uma supervisão do nosso projeto focado em adolescentes chamado #JuntoeMisturado da Casa da Amizade com o psicanalista mais foda ever do mundo e das galáxias, chamado Ivan Capelatto, e ele falou coisas interessantíssimas sobre esse universo da educação, de adolescentes e sociedade, que resolvi compartilhar por aqui. Algumas coisas para quem tiver interesse pelo assunto, para educadores, pais de adolescentes, e afins… Então, se isso te interessa, senta que vem um texto grande cheio de questionamentos e filosofias.

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Boom adolescente

Em 2011 a Unicef fez um estudo sobre adolescentes no Brasil, e de acordo com esse estudo, o país nos próximos anos passaria por um momento muito importante onde a quantidade de adolescentes que o país teria seria um boom inédito (média de 21 milhões), e que, de acordo com esse estudo, esse momento seria uma excelente oportunidade para trabalhar esses jovens para que eles em massa proporcionem um novo futuro ao país quando adultos, ou seja, uma bela oportunidade de mudança social.

Infelizmente como já cantava Chorão, o jovem no Brasil nunca é levado a sério, e isso de fato é uma pena. De acordo com Sérgio Ozella, psicólogo da Usp: “Há um processo de poder em cima do adolescente, da sociedade não encará-lo como alguém com potencial e com responsabilidade. A sociedade precisa reconhecer que os adolescentes são um grupo em si, e que não são crianças grandes nem futuros adultos. São cidadãos, sujeitos com direitos específicos, que vivem uma fase de desenvolvimento extraordinária e que o que eles experimentam nessa etapa determinará sua vida adulta”.

Em uma outra parte do estudo da Unicef, eles escrevem: “outras modificações em regiões do córtex que estão relacionadas com o raciocínio e a memória conferem aos adolescentes uma enorme capacidade de lidar com informações”. Ou seja, deveríamos realmente começar a encarar socialmente o adolescente como poder de transformação social.

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Idade problema?

Por outro lado, entretanto, quando olhamos dados sobre os jovens, percebemos que a coisa está muito enviesada. De acordo com dados do IBGE, por exemplo, crescem os números de adolescentes que usam drogas ilícitas pesadas, como crack e cocaína, que possuem maior potencial de dependência. Além disso, conforme a publicação Mapa da Violência, que se baseia em dados coletados pelo Ministério da Saúde, as faixas em que as taxas de suicídio mais cresceram no Brasil, entre 2002 e 2012, foram dos 10 aos 14 anos (40%) e dos 15 aos 19 anos (33,5%), a maioria por autointoxicação. Jå na parte de educação pública, por exemplo, 40% dos adolescentes largam a escola no ensino médio pois não enxergam valor na prática do que aprendem, não veem ligação entre o que vivem na vida real e o que a escola ensina, de acordo com o estudo “O que pensam os jovens de baixa renda FVC 2013”.

Ou seja, minha gente, do jeito que tá, tá ruim, né? Do jeito que a gente olha e cuida dos adolescentes está tudo errado, concordam?

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Como lidar?

Bom, em cima dessas questões e de outras, fomos pesquisar as teorias e linhas de pensamentos atuais sobre o assunto, e eis que chegamos no psicanalista Ivan Capelatto para ser supervisor do nosso projeto. Para ele, existem dois pontos primordiais em cima dessas questões que estamos passando, e que tornam todos os adolescentes vulneráveis, independente da classe social.

O primeiro ponto que ele levanta é sobre a escola, local em que a maioria dos adolescentes passa um tempo. Segundo ele, as escolas são lugares frios, metódicos, focados apenas na aprendizagem pedagógica, e não afetiva… O que na prática significa, um local onde você chega, o professor mal sabe seu nome, quem você é, e o que você está passando em casa, ao mesmo tempo em que te pede silencio, marca provas, te dá faltas, te reprova ou aprova de acordo com os seus resultados cognitivos. Veja bem, o ponto dele não é culpabilizar o professor, mas sim mostrar as condições as quais os professores também estão acuados. Lembrando que o currículo escolar é muito pesado, e carrega em pleno 2016, todo pensamento industrial e militar de educação robótica em massa, onde numa sala 30 alunos entram e saem para adquirir apenas conhecimentos cognitivos, nenhum conhecimento afetivo emocional.

Outro ponto que o psicanalista levanta é o fato atual da situação do Brasil. Para ele o que a televisão faz hoje é deprimente, ontem na nossa supervisão ele comentou: “Vocês já pararam pra assistir televisão, em quantas vezes eles falam milhões, bilhões? Isso tudo sufoca, deprime, isso tudo nos torna apáticos, e atinge muito os adolescentes. Estamos numa fase muito crítica, então precisamos ter um cuidado e uma paciencia maior com os jovens.”

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Afetividade como método

Para Ivan, os caminhos para essas questões estão ligados a afetividade, pois a maioria foca a educação na aprendizagem pedagógica, mas poucas pessoas estão preocupadas em focar na aprendizagem afetividade. Para o psicanalista, o que o adolescente precisa é de alguém para ouvi-lo, alguém para quem ele possa realizar o que ele chama de processo de transferência. Nessa transferência o ouvinte não julga, não aconselha, e nem vira amigo, porque senão ele volta a ser pedagógico e não afetivo. Para ele, esse processo da transferência está no simples fato da escuta.

Ontem enquanto ele falava isso na nossa supervisão, a diretora e as professoras se mexiam inquietas no sofá perguntando: “Tá, mas e aí? Depois que eu escutar tudo, o que eu faço??”. Para o psicanalista o papel desse educador afetivo deve ser de mediação, ele deve explorar quais são os desejos do adolescente, o que ele deseja, de micro a macro, e a partir disso ser um mediador entre o desejo do adolescente, e o caminho para realizar o desejo. Veja bem, esse educador não deve ser o realizador do desejo, e nem entregar as ferramentas para que o desejo se realize, e em hipótese alguma (essa é para vocês, pais) querer que o adolescente tenha e realize os seus próprios desejos.

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Nosso papel nessa história

Enfim, terminamos a nossa supervisão com lágrimas nos olhos, e algumas reflexões: Como podemos ampliar essa aprendizagem afetiva e não pedagógica na sociedade? Como podemos incluir isso nas escolas? E também como podemos fazer com que mais pessoas se tornem esse educador social, não só em escolas, ONGs, mas no seu micro-ambiente incentivando as pessoas dentro do seu próprio círculo familiar…

Você tem um primo, sobrinho, irmão adolescente? Como você consegue se tornar essa referência, e não ser só mais um educador pedagógico que chega dizendo pro seu irmão ou sobrinho o que ele deve ou não fazer, e que músicas ele tem que ouvir.

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Gostaria de finalizar esse texto também lembrando a todos uma coisa muito positiva que aconteceu no final do ano passado, e que continua. Se de acordo com a Unicef o Brasil estava em um momento muito fértil para cultivar a mudança social via adolescentes, e se os próprios adolescentes no estado de São Paulo realizaram as ocupações nas escolas, isso é um claro e excelente sinal de que esse boom de adolescentes não só realmente pode mudar, como já está mudando o nosso quadro social. E o futuro… Ah, esse lindo futuro, à mãe Gaya pertence.