“Lonely in London.”
Sou desses. Não tenho conhecimentos profundos sobre qualquer esporte, mas com dois dias de olimpíadas já me considero capacitado a criticar o desempenho de um atleta de quem nunca ouvi falar em uma modalidade cujas regras ignoro solenemente. Você também é assim, confesse. Esta é a graça de ser espectador esportivo. Mas a despeito da naturalidade da coisa, acho digno de nota a forma como as pessoas vão tentando interpretar o resultado do Brasil nas Olimpíadas de Londres sob um prisma, digamos assim, antropológico (como fazem com quase tudo, pelo menos no Facebook).
Lembro que numa prova de História da sétima série, não soube responder por que os Estados Unidos tinham mais reservas de ouro que o Brasil, sendo que ambas eram colônias europeias, e como eu já tinha passado de ano esclareci à professora que devido ao diferenciado processo histórico de cada uma das nações, os atletas americanos eram privilegiados com melhores condições de treinamento e chegavam mais bem-preparados para as olimpíadas. A mestra, sem capacidade de transcender a cartilha, não me deu nem meia questão. E desde então eu decidi parar de tentar estabelecer relações sociológicas com esporte.
Contudo, confesso que costumo usar o critério do subdesenvolvimento para torcer em disputas internacionais: quanto mais pobre um país e seu povo, mais justo me parece conceder-lhes um momento de superioridade, esta pequena revanche lúdica que nos permite especular sobre as singularidades e potencialidades de cada etnia e lembrar por um instante que a História poderia ter sido bem diferente. Um jamaicano ser o mais rápido do mundo há de significar alguma coisa.
“A história é contada pelos vencedores.”
É o ópio do povo, é verdade. Mas que ópio gostoso! O esporte entretém ao tempo em que enaltece algumas das mais excelentes virtudes humanas: empenho, disciplina, técnica, desenvolvimento físico e mental. A prática esportiva é uma condicionante para a saúde e a qualidade de vida de uma população, e pra não sairmos do óbvio, é uma ferramenta social poderosa para evitar que o ócio infanto-juvenil se transforme em índices de criminalidade.
Portanto, meus amigos, eu não chego a empunhar a bandeira do patriotismo, que considero algo tão estúpido quando a xenofobia, mas torço de verde e amarelo verdade para que as próximas gerações acreditem que é possível transformar sonhos em realidade. Isso, sim, vale ouro.
“Brasil-sil.”
Não sei dizer ao certo se 17 medalhas (um recorde histórico, afinal) refletem qualquer coisa. Não sabemos se o Dieguinho brigou com o namorado na véspera, ou acordou com uma afta na ponta da língua, pra avaliarmos se o seu mal desempenho denuncia a falta de investimentos públicos em bons programas de incentivo ao esporte, ou mesmo uma inferioridade psicológica de nossos atletas. Os astros do futebol, com suas carreiras alucinadas e seus valores deturpados, coitados, são apenas jovens tão suscetíveis ao fracasso quanto eu ou você.
Mas ainda assim uma coisa é mais do que certa: se tivermos qualquer pretensão de comemorar algo mais que um (honroso, porém indigesto) 22º lugar no quadro geral de medalhas, vai ser preciso muito mais do que vinhetas empolgantes e clipes emocionados. Não vou nem entrar no mérito da infraestrutura das instalações esportivas públicas, ou do salário dos profissionais da área. Existe uma inversão de valores muito bem observada pela Bic Muller: “Nos EUA os atletas praticam esportes pra ganhar bolsa nas universidades. Aqui os caras viram jogadores de futebol pra não precisar estudar.”
“Caralho, perdi uns onze contratos de publicidade…”
O problema não é glamourizar o futebol. É não glamourizarmos os outros esportes – e as outras disciplinas escolares. É não podermos fornecer aos nossos potenciais medalhistas do futuro, de quaisquer modalidades, as condições para o melhor desenvolvimento de suas capacidades.
Posso parecer leviano, sendo blogueiro e obeso semi-mórbido, mas falo com o conhecimento de causa de quem acompanha de perto a carreira de dois atletas mirins. Poderia dizer até que são os primeiros atletas de certa forma patrocinados pelo TRETA: meu irmão mais novo e minha afilhada. Veterana aos 11 anos, a minha ginasta favorita ganhou todas as medalhas que disputou na sua ainda curta carreira, mas hoje simplesmente não tem onde treinar porque não encontra mais um único centro de treinamento nas proximidades de onde mora – e estamos falando da região metropolitana do Espírito Santo, teoricamente um centro urbano.
Sem falar em todos os outros problemas que não dizem respeito só ao esporte, mas a todos os brasileiros. Meu irmão viajou neste sábado com a seleção capixaba sub-15 de basquete rumo a Anápolis (GO), para disputar o campeonato brasileiro, e teve sua bagagem extraviada no inglório aeroporto de Vitória – um erro que infelizmente vem se trivializando, mas que segue sendo um absurdo inaceitável, principalmente quando o passageiro é diabético como o meu irmão e seu estoque de insulina seguia junto com a bagagem, por inexperiência do jovem atleta com a incompetência das companhias aéreas.
“Eu quero tchú…”
Eu sei que muita água vai ter que passar por debaixo dessa ponte para não enfrentarmos, de verdade, um fiasco internacional (quando ainda mal superamos a projeção mundial do Michel Teló). A responsabilidade está batendo às portas e me parece pouco provável que tanto possa ser feito em tão pouco tempo. Só me resta torcer para que todos os prognósticos estejam errados.
E eu não estou nem preocupado com as Olimpíadas de 2016, ainda.
Quero ver na Copa.