Gangsters digitais e a nova taxa de proteção


Confira o artigo inaugural do recém-lançado Observatório da Blogosfera:

Não é de hoje que a sociedade é obrigada a conviver com o poder paralelo do crime organizado. Mafiosos de diferentes épocas e localidades empreenderam seus “negócios” à margem da legalidade, em diferentes ramos de atividade e invariavelmente utilizando de violência e ameaças para garantir seus “contratos”.

A cena é recorrente no cinema: gângsters recolhendo a devida “taxa de proteção” (ou “taxa de segurança”) dos comerciantes de uma localidade, em troca de eles mesmos se absterem de causar problemas. No código penal o nome disso é “extorsão”, e ainda que lhe ocorra a imagem de alinhados capangas italianos numa Chicago do passado, ocorre por aqui mesmo diariamente em favelas e outras regiões dominadas por grupos criminosos – e abandonadas pelo poder público. A internet é uma delas.

No despontar do dia 31 de maio do ano passado alguns blogueiros brasileiros viram seus blogs serem “derrubados” por um número excessivo de requisições e em seguida receberam uma menção no Twitter de um perfil chamado @LeTangoBlog com a “recomendação” de que deveriam seguir para tratar do assunto por DM. Assustados com o ataque, a maioria obedeceu, e em particular receberam a confirmação da chantagem. Nas palavras do meliante: “Tenho um acordo a oferecer, gostaria que meu banner fosse adicionado em seu blog, em troca ele não será mais atacado”.

Num dos capítulos mais bizarros da história recente da blogosfera, blogs profissionais como Testosterona, Bobagento, Le Ninja e Fail Wars foram efetivamente sequestrados por um blogueiro “hacker” e, para poderem cumprir os contratos de publicidade do dia sem novos contratempos, se viram obrigados a incluir o tal banner do blog “Le Tango” nos layouts de seus blogs. Uma das vítimas, o dono do blog Não Ligo, relatou que ainda procurou ajuda das autoridades, mas foi atendido com incompreensão e desdém. A coisa só foi ser resolvida quando um grupo hacker brasileiro, supostamente ligado à organização internacional Anonymous, tomou conhecimento do ocorrido e se pronunciou contrário à extorsão. Em poucos instantes o tal “Le Tango” é que estava fora do ar e a paz reinava novamente no seio da blogosfera (saiba mais sobre o ocorrido aqui).

Mais recentemente observamos com certa estranheza uma publicação do blog Kibe Loco sobre a campanha da Gillette para o carnaval. Em seu texto, “Despeitados”, o  blogueiro Antônio Tabet se insurge inflamado contra uma “ditadura dos pelos” contida nas campanhas da marca. Além de rechaçar o “absurdo” de uma fabricante de lâminas de barbear tentar promover a venda de seu produto (onde já se viu uma coisa dessas? Daqui a pouco veremos anúncio de xampú anti-caspa ofendendo a imagem das caspas…), o blogueiro ainda debochou das celebridades envolvidas e encerrou seu manifesto contra o “padrão estético imposto” estampando vitorioso uma das fotos da campanha em que aparecia a cordinha do absorvente interno de uma das modelos.

Todo este empenho em contestar uma iniciativa publicitária, ainda mais num blog que costuma habitar as mais rasas dimensões da informação, chamou a atenção de blogueiros, publicitários e profissionais de mídias sociais para o fato de que talvez houvesse alguma motivação além da ideológica. E não seria a primeira vez que alguém iria parar na boca do sapo de Tabet.

Em 2011, o humorista Fábio Gueré foi alvo de uma campanha difamatória sem precedentes do Kibe. No artigo entitulado “Stand-up tragedy”, o comediante foi tratado com muitas aspas, críticas e sua contratação foi explicitamente desaconselhada pelo blogueiro. O motivo do ataque? Uma piada de Gueré sobre a originalidade das piadas do “Kibe” – não por acaso um sinônimo contemporâneo para “plágio”. No ano seguinte o fenômeno se repetiu com o artigo “Perdeu, Playboy!”, em que Tabet comemorou publicamente a notícia de que um desafeto, o publicitário Eden Wiedemann, estaria sendo investigado por um suposto crime eleitoral (ele teria publicado em seu Twitter uma notícia de 2009 do portal Terra sobre o cancelamento do Enem). Tais condutas permitem concluir que o blogueiro não vê muitos problemas em lançar mão de seu veículo para tentar prejudicar eventuais inimigos, e nos fazem especular o que poderia ter verdadeiramente motivado a revolta contra o mercado de barbeadores.

Estabelecido tal debate nas redes sociais, surgiu a informação de que a produtora Porta dos Fundos, encabeçada por Tabet, teria oferecido a produção de um de seus vídeos cômicos para reverter a repercussão negativa da campanha da Gillette, num expediente que fora assumido com orgulho pelo próprio Kibe em um caso semelhante. Segundo publicado em “Spoleto (parte 2)”, a rede de restaurantes teria entrado em contato com o blog para encomendar um vídeo que amenizasse as críticas feitas em uma esquete anterior da Porta dos Fundos. A “jogada publicitária genial” ganhou atenção da imprensa, que ignorou o fato de que toda sua negociação e realização teriam ocorrido no período de 16 dias entre o lançamento do primeiro (13/08/2012) e do segundo vídeo (29/08), sem falar que apenas uma semana depois estreava nos cinemas o filme “Totalmente Inocentes”, protagonizado por Fábio Porchat, estrela do Porta dos Fundos, e patrocinado  – vejam vocês – pela mesma Spoleto que só tinha entrado em contato após a divulgação do primeiro vídeo. Um restaurante da rede, inclusive, foi cenário de gravações. Decerto temos aqui o filme mais rapidamente produzido da história do cinema – ou uma macarrônica coincidência do destino.

Não obstante as artimanhas tramadas nos bastidores que nunca chegarão ao conhecimento do público, o fato é que a veiculação de publicidade se apresenta em modalidades cada vez mais obscuras quando o veículo não vê problemas em mascarar a realidade para enganar seu público. E não falo apenas de jabás disfarçados na forma de notícias interessantes, mas principalmente da possibilidade de um texto crítico publicado em um blog ter uma gênese tão nefasta.

A Gillette não pagou a taxa e foi parar no Conar, acusada de “preconceito contra homens peludos”. Prevejo um futuro próximo em que marcas serão feitas reféns por blogs de humor. Ou anunciam ou sofrem campanhas difamatórias.

Ainda é melhor que as antigas técnicas de coação física, mas por via das dúvidas é bom ficar esperto: mafiosos não costumam usar a porta da frente.

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Acompanhe os bastidores da internet no Observatório da Blogosfera.